segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Crónica dos Ursos na Via Verde


"Como é? A malta é doida?"
Embora já soubesse a resposta a este SMS, não pude deixar de o enviar. Não há procura de uma confirmação, mas há espera que não chegasse uma resposta. Mas chegou. Já ia a caminho de Telheiras para buscar a bina, e além da chuva persistente, o termómetro marcava uns singelos 3 graus. Um verdadeiro gelo glaciar. Se isto não são as condições ideais para uma prova de 200 metros bruços para ursos polares, não sei quais serão. A pequena diferença é que os ursos somos nós. Nenhuma novidade. Chegados ao ponto de encontro e tomada da bica, a que a hora madrugadora obriga, e que para uns até significa o pequeno almoço, urgiu a questão: então e qual é a volta? Para variar ninguém tinha pensado seriamente nisto, até porque o improviso é uma das mais marcantes características desta horda, e também porque definitivamente não há gente séria, mas duas premissas desde logo se impuseram: o Júlio não queria terra, vá-se lá perceber porquê, e o Fernando afinal não vinha, logo hoje… assim, parece que havia uma ciclovia muito catita lá para Telheiras e que estava ligada com a de Monsanto e até ia até Entrecampos e com um bocado de sorte esticava até ao Lavradio. Lá fomos. Subida a ladeirinha até ao Restelo e primeira alteração ao plano, os dedos do Barata (parece que isto de nos referirmos a nós na 3ª pessoa, pelo apelido, pega-se) estavam roxos e prestes a terem de ser amputados, tal qual aquele tipo que sobe a montanhas e que numa delas deixou as falanges e a ponta do nariz, pelo menos que se saiba. Os do Seabra pelos visto eram solidários. Isto de fazer luvas sem dedos é no mínimo bizarro, primeiro porque até agora nunca vi tal coisa, todos os praticantes desta modalidade, normalmente têm os dedos todos, e depois porque é uma ideia parva. Para evitar uma tragédia foi consensual, um ligeiro desvio para uma visita rapidinha à Decathlon, essa catedral para gente que faz do consumo um desporto, e comprar umas belas luvas em neoprene, mais adequadas à prática de surf nas praias da Noruega.
Mais confortável, o pelotão lá seguiu na direcção da Buraca para apanhar a ciclovia da Radial de Benfica, paredes-meias com Monsanto, qual via verde, mas com mais monóxido de carbono.
O ritmo da prova ficou desde logo marcado pelo Júlio que teimava em fugir ao pelotão, deixando-se ficar para trás – talvez pelo facto de, embora o ponto de encontro fosse em Algés ele ter decidido vir desde as Olaias a pedalar. Como ninguém conseguia acompanhar este ritmo vertiginoso, teve de haver lugar a algumas paragens para reagrupamento, o que fazia com que a temperatura arrefecesse cada vez mais, andando por esta altura já na casa dos -3, segundo o Manços, que terá confirmado este valor num daqueles equipamentos urbanos que dão a hora e temperatura, e que raramente se enganam.
Este era verdadeiramente um daqueles percursos em que devíamos ter um convidado especial: o camarada António Costa, para uma visita guiada à obra feita – “Lisboa ciclável”. Mas acho que neste dia em particular, o gajo era homem para declinar, e inclusivamente, negá-la.
Para meu espanto, que até morei cerca de 10 anos em Telheiras, havia mesmo uma ciclovia aí. Conseguia-se mesmo ir desde a Buraca, passando por Benfica e o seu barraco da luz, aparentemente embargado desde 2004, Telheiras, e a obra mais ilustremente representativa das técnicas de ladrilhagem contemporâneas, seguindo pelo Campo Grande até Entrecampos. Foi uma epifania. A descoberta desta realidade só terá paralelo na façanha da passagem do Cabo Bojador. Uma vez aqui, em Entrecampos, não no Bojador, dois novos problemas se revelaram, a chuva, que só se deu pela sua ausência até este ponto, quando finalmente se lembrou de aparecer, e a dificuldade em encontrar um boteco aberto nesta zona da cidade a um domingo de manhã, para a incontornável mine. 5 de Outubro abaixo e desistimos da ideia até ao Rossio, porque a chuva já parecia mais um tratamento de acupunctura, com as agulhas a espetar na cara, mais fundo que o normal. Nunca a (Avenida da) Liberdade pareceu tão confrangedora.


Finalmente a ansiada paragem para reabastecimento na Estação do Rossio, finos, porque a tasca não servia mines; chamuças, rissóis, empadinhas, e um galão para o Santos.


Não era o mesmo que as bifanas do Humberto, mas dadas as circunstancias foram um pitéu. Amena cavaqueira em jeito de Assembleia-geral, até o nosso Presidente, num ímpeto muito justificado, oferecer pancada ao Júlio, que inadvertidamente desviara a sua bejeca.


Serenidade reposta, e níveis de glicemia também, seguia-se mais um trajecto de ligação, sob chuva copiosa, ao segundo troço da via verde do Dr. Costa, que vai do Cais do Sodré a Belém, embora antes com uma paragem no Terreiro do Paço, para as despedidas do camarada Júlio que aí desistiu do passeio, alegando que ali estaria mais perto de casa. Curiosamente nós também. À chegada a Algés era evidente que o vencedor destacadíssimo do passeio era o Fernando. É em dias como este que aprendemos a dar outro valor a um simples duche de água quente.
O de descongelar ursos!

Texto e fotos de Luis Barata


Percurso:
GPSies - BTT Lisboa 2

3 comentários:

  1. Isto aqui de urso para urso... granda pinta de crónica!
    Uma equipa de poetas ciclistas ou ciclistas poetas, enfim... pena que alguns sejam preguiçosos e não cumpram as suas tarefas!

    Espero que no próximo domingo não estejam mais de 10ºC para que possam continuar a usar as vossas luvas de "neon perene".

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  2. Camarada Barata:
    Os ares da Índia oxigenaram-te a já rica veia poética!!! Ou terá sido a banana no nó da Buraca?? Who cares; Quem lê a crónica arrisca-se a ficar com uma incontornável vontade de pertencer ao clã dos ursos e repetir ao milímetro a gélida façanha!!
    Super!!!!

    @Manços - óóóó Quim, F.O.A.D.!!!!!

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  3. Enfim... Do Pedal para o Teclado, a diferença não se nota!
    GRANDE CRÓNICA!...
    Vai um salmãozito saltitante!

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